
Pesquisadores do Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) Guamá identificaram um potencial inédito no solo do Parque Estadual do Utinga, em Belém – uma das maiores unidades de conservação ambiental localizadas em áreas urbanas do Brasil, com 13,93 km² de extensão, e um dos pontos mais procurados para lazer e turismo na capital.
Os microrganismos encontrados demonstram potencial para o desenvolvimento de produtos biotecnológicos. Entre as aplicações destacam-se os antimicrobianos, que combatem ou inibem o crescimento de micro-organismos como bactérias e fungos; as enzimas industriais, que atuam como catalisadores em processos que vão desde a produção de alimentos até a fabricação de detergentes e biocombustíveis; e os ativos para cosméticos, que potencializam a eficácia dos produtos ao proporcionar benefícios como hidratação, rejuvenescimento e proteção da pele.

Em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), de São Paulo, o Laboratório de Engenharia Biológica (EngBio) da Universidade Federal do Pará (UFPA), residente do PCT Guamá, mapeou moléculas produzidas por bactérias presentes no Parque do Utinga, com resultados iniciais publicados na revista científica Microbiology Spectrum, em dezembro de 2024.
“A aplicação a serviço da sociedade seria principalmente no desenvolvimento de novos fármacos, como antibióticos, antifúngicos, antitumorais, anti-inflamatórios. Ainda existe a possibilidade de aplicação na agricultura, como moléculas promotoras de crescimento, e na indústrias como enzimas biológicas”, destaca a pesquisadora doutora do EngBio, Ana Carolina Miranda, uma das autoras do artigo.
Pesquisas como as do EngBio encontram no PCT Guamá o suporte ideal para alcançar resultados. “O parque oferece um ambiente propício aos laboratórios residentes, com benefícios como a infraestrutura, contato com o mercado e transferência de tecnologia. Conclusões obtidas pelo EngBio evidenciam o compromisso do PCT Guamá e de seus residentes com o avanço da ciência e a inovação sustentável na Amazônia, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida”, afirma o diretor-presidente da Fundação Guamá, Instituição de Ciência e Tecnologia (ICT) responsável pela gestão do complexo.
Descoberta inovadora – A investigação iniciou com a coleta de amostras no Parque do Utinga. A partir dessas amostras, as bactérias foram isoladas em laboratório, e três cepas – Streptomyces, Rhodococcus e Brevibacillus – foram selecionadas por seu potencial de produzir compostos de interesse. Em seguida, os pesquisadores identificaram e classificaram essas bactérias por meio do sequenciamento genético, investigando seus genomas. Nessa etapa, foram encontrados 64 clusters de genes biossintéticos — regiões do DNA responsáveis por produzir moléculas bioativas –, dos quais mais da metade estavam ligados a substâncias desconhecidas, com potencial para gerar novos antibióticos e tratamentos.




Para entender melhor o que essas bactérias poderiam produzir, elas foram cultivadas em diferentes condições de laboratório, estimulando a criação de uma grande variedade de compostos. Posteriormente, os cientistas extraíram essas substâncias e analisaram sua composição química por meio de espectrometria de massa. Essa análise revelou uma diversidade química, com algumas moléculas já conhecidas por seu uso em medicamentos – como a antimicina e a deferoxamina, que possuem propriedades antibióticas e antitumorais – e muitas outras substâncias inéditas, demonstrando o potencial inexplorado da biodiversidade amazônica.
Preservar para descobrir – O estudo demonstrou que a Amazônia ainda guarda um vasto potencial inexplorado para impulsionar o desenvolvimento de novos tratamentos, evidenciando a importância de preservar esse bioma e abrindo caminho para descobertas que beneficiarão tanto a medicina quanto a biotecnologia.
Segundo Rafael Baraúna, pesquisador doutor do EngBio e um dos autores do artigo, é essencial manter as áreas de unidade de conservação ambiental intactas para aumentar a diversidade microbiana e de metabólitos, como os utilizados no projeto. “Há mais de uma década, descobriram que cerca de 90% ou mais das espécies microbianas são desconhecidas. As tecnologias no laboratório permitem que a gente encontre novidades químicas para uso biotecnológico e em medicamentos, porque quanto mais biodiversidade preservada, maior é a biodiversidade química para criar novos produtos”, enfatiza.

A região Amazônica enfrenta ameaças que podem comprometer o acesso a esses microrganismos antes mesmo que seu potencial seja completamente explorado. Em 2024, o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Sustentabilidade e Meio Ambiente (Semas) e da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), embargou mais de 37 mil hectares utilizados em atividades ilegais, como desmatamento e garimpo. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), residente do PCT Guamá, as ações reduziram a degradação ambiental em 28,4% nos últimos três anos, integrando o Plano Estadual Amazônia Agora (PEAA), que alia fiscalização rigorosa a incentivos a alternativas sustentáveis. Com as próximas fases da pesquisa, os cientistas planejam expandir a coleta de amostras para outras áreas da Amazônia oriental, ampliando o catálogo de substâncias bioativas que podem contribuir para a saúde humana.
Referência em inovação – O PCT Guamá é uma iniciativa do Governo do Pará, por meio da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Profissional e Tecnológica (Sectet), que conta com as parcerias da UFPA e Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), com a gestão da Fundação Guamá.
É o primeiro parque tecnológico da região Norte do Brasil, e visa estimular a pesquisa aplicada e o empreendedorismo inovador e sustentável para melhorar a qualidade de vida da população.
Localizado às margens do Rio Guamá, que dá nome ao complexo, o PCT está situado entre os campi das duas universidades, e conta com um ecossistema rico em biodiversidade, estendendo-se por 72 hectares, destinados a edificações e à Área de Proteção Ambiental (APA) da Região Metropolitana de Belém.
O complexo conta com mais de 30 empresas residentes (instaladas fisicamente no Parque), mais de 40 associados (vinculados ao Parque, mas não fisicamente instalados), 12 laboratórios de pesquisa e desenvolvimento de processos e produtos, com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Escola de Ensino Técnico do Estado do Pará (Eetepa) Dr. Celso Malcher, além de atuar como referência para o Centro de Inovação Aces Tapajós (Ciat), em Santarém, oeste do Estado.
O PCT Guamá integra a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) e International Association of Science Parks and Areas of Innovation (Iasp), e faz parte do maior ecossistema de inovação do mundo.
Texto: Ayla Ferreira sob supervisão de Sérgio Moraes.