O óleo de bicho é extraído de larvas do besouro Speciomerus ruficornis Germar, popularmente conhecido como tucumanzeiro, uma vez que se reproduz nas sementes do tucumã, entre os meses de abril e setembro, período de queda dos frutos. Comunidades extrativistas do arquipélago do Marajó utilizam a banha na fritura de alimentos e no “tratamento” de doenças há bastante tempo.
O saber tradicional dos marajoaras virou tema de pesquisa, as propriedades terapêuticas e medicinais da gordura estão sendo estudadas pelo Centro de Estudos Avançados da Biodiversidade (CEABIO/UFPA), e pelo Laboratório de Óleos da Amazônia (LOA/UFPA), instalados no Parque de Ciência e Tecnologia (PCT Guamá), em parceria com a Universidade do Estado do Pará (Uepa).
“Nós queremos, com os nossos estudos, obter um maior embasamento científico acerca das propriedades terapêuticas do óleo de bicho, validando a potencialidade desse óleo para que esse conhecimento possa ser devolvido para as comunidades, visando a valorização desse e de outros produtos marajoaras da Amazônia”, reforça a pesquisadora Renata Noronha, que coordena o Laboratório de Genética e Biologia Celular do Ceabio.
Benefícios antioxidantes e cicatrizantes – As pesquisas sobre a iguaria tem como objetivo identificar benefícios do óleo de bicho, e avaliar seu uso na saúde, na indústria de cosméticos, inseticidas, entre outros. Algumas potencialidades medicinais já foram constatadas por Gabriel Araújo, pesquisador do Ceabio e do LOA, que, durante o mestrado, através de ensaios cromatográficos, identificou a presença de diversos ácidos graxos insaturados que promovem atividades anti-inflamatórias, antioxidantes, cicatrizantes e até mesmo anti-tumorais. As análises físicas e químicas do óleo foram feitas a partir da fritura da larva.
Para a produção da iguaria, as larvas de besouro são extraídas das sementes do tucumã, depois são higienizadas, e passam pelo processo de fritura, quando ocorre a liberação da gordura. Em seguida, o óleo é filtrado e armazenado, para ser comercializado posteriormente. “O óleo de bicho é uma importante fonte de renda para muitas famílias em Soure e Salvaterra, no entanto, por ser uma matéria-prima sazonal, não se costuma encontrar o óleo com a mesma frequência durante o ano todo, o que pode encarecer o produto em períodos entressafra”, explica Gabriel.
Natural da Ilha do Marajó, o pesquisador conta que em sua comunidade, o óleo é encontrado com facilidade nas residências e faz parte da rotina dos marajoaras, em função das suas propriedades terapêuticas e importância socioeconômica. “Tenho várias lembranças, antigas e recentes, do uso do óleo de bicho quando alguém em casa está com algum tipo de inflamação ou dores. É mais comum o uso tópico, mas algumas pessoas também utilizam na cozinha, na preparação de alimentos”, detalha.
Parceria entre universidades – A pesquisa foi desenvolvida através da parceria entre os dois laboratórios residentes do PCT Guamá e a Uepa. “Foi por meio da Uepa que nós chegamos até as comunidades extrativistas para diagnosticar o cenário de extração do óleo e coleta das sementes nas comunidades, especialmente as quilombolas. Estamos avaliando o potencial de negócio para essas comunidades, não só com óleo de bicho, mas também com outros óleos e manteigas vegetais que estão presentes em Salvaterra e Soure”, acrescenta o pesquisador Luís Adriano, vice-coordenador do LOA.
O laboratório recebe o óleo de bicho das comunidades extrativistas para realizar as análises físico-químicas de caracterização, como índice de acidez, estabilidade oxidativa e perfil em ácidos graxos. Já o Ceabio atua na área de genética e biologia celular, realizando avaliações celulares, e deve fornecer informações genéticas do óleo, a partir de avanços da pesquisa, que ainda está em fase inicial.
“É muito valioso entender e dar respostas científicas sobre um produto tão tradicional como o óleo de bicho. A região do Marajó é uma região muito rica em recursos naturais, mas ainda com muita pobreza, a gente precisa trabalhar e usar a ciência para corrigir essas distorções”, enfatiza Luís.
Os pesquisadores avaliam também novas formas de extração, para além da fritura, utilizando tecnologias como ultrassom e prensa, para obter um extrato de alta qualidade e valor bioeconômico.
O PCT Guamá – O PCT Guamá é uma iniciativa do Governo do Pará, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Técnica e Tecnológica (Sectet), que conta com a parceria da Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e gestão da Fundação Guamá.
É o primeiro parque tecnológico a entrar em operação na região Norte do Brasil e tem como principal objetivo estimular a pesquisa aplicada e o empreendedorismo inovador e sustentável.
Situado em uma área de 72 hectares entre os campi das duas universidades, o PCT Guamá conta com mais de 40 empresas residentes (instaladas fisicamente no parque), mais de 60 associados (vinculadas ao parque, mas não fisicamente instaladas), 12 laboratórios de pesquisa e desenvolvimento de processos e produtos, com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Escola de Ensino Técnico do Estado do Pará (Eetepa) Dr. Celso Malcher, além de atuar como referência para o Centro de Inovação Aces Tapajós (Ciat), em Santarém, oeste do estado.
Membro da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), da Associação Internacional de Parques de Ciência e Áreas de Inovação (IASP), o PCT Guamá faz parte do maior ecossistema de inovação do mundo.
Texto: Ayla Ferreira sob supervisão de Sérgio Moraes