Belém, 17 de janeiro de 2019 – O acúmulo de problemas ambientais, como o aumento da temperatura média mundial e a contaminação de rios e solos, impõe a governos, ao setor empresarial e à sociedade como um todo a responsabilidade de tomar medidas tanto de combate quanto de mitigação de impactos. Nesse contexto, criar substâncias capazes de transformar ou remover do meio ambiente os elementos tóxicos e os resíduos produzidos por grandes empresas é uma prioridade assumida pelo Laboratório de Óleos da Amazônia (LOA), residente do Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) Guamá.
O LOA envolve o trabalho de pesquisadores ligados ao Grupo de Catálise e Oleoquímica da Universidade Federal do Pará (UFPA), especialistas tanto na área da química quanto da biotecnologia.
A inclusão da Oleoquímica no nome do grupo de pesquisa o diferencia no país, incorporando nas pesquisas desenvolvidas por seus especialistas a potencialidade regional de aproveitamento dos óleos vegetais existentes na Amazônia.
“O nosso grupo sempre teve essa pegada de tentar utilizar a catálise – que é a parte da química que estuda a velocidade de reação e prepara materiais que acelerem essas reações, principalmente em reações com os óleos vegetais. Então é um dos poucos grupos de pesquisa no Brasil que tem oleoquímica no nome”, conta Luís Adriano Santos, doutor em Química e vice-coordenador do LOA.
Com pesquisas que orientam tanto a inovação no uso de óleos amazônicos para diversos fins quanto a prestação de serviços para indústrias e empresas de diversos portes, o LOA é capaz de ofertar serviços como:
– análises de óleos produzidos ou das matérias primas usadas por indústrias na região;
– consultorias para a melhoria da obtenção de óleos de alta qualidade, incluindo a escolha das sementes, a coleta adequada, a extração mais eficiente de óleo, o uso do maquinário, a secagem e a prensagem das sementes, assim como a limpeza dos equipamentos;
– pesquisas para a destinação adequada de rejeitos de empresas de diferentes portes;
– desenvolvimento de bioprodutos a partir de óleos;
– atendimento a comunidades, associações, cooperativas na capacitação e apoio à produção de óleos de maior qualidade e derivados;
– produção de catalisadores em parceria com laboratórios internacionais;
– análise da qualidade de combustíveis e biocombustíveis em postos de gasolina e estoques de grandes empresas/indústrias.
Biocombustíveis baseados em rejeitos ou subprodutos industriais podem ser duplamente sustentáveis
“Uma das vertentes mais estudadas, que está bem consolidada é a transformação de óleos em biocombustível, em biodiesel. É uma aplicação básica e já bem difundida no nosso grupo”, conta Luís Adriano.
A preferência por óleos não consumíveis e pelo que, inicialmente, poderia ser considerado como rejeito industrial torna a produção de biocombustíveis mais sustentável tanto com relação à segurança alimentar das populações locais consumidoras dos produtos usados quanto no que se refere ao combate à emissão de poluentes sobre o meio ambiente.
O biodiesel, que pode ser feito a partir do óleo in natura (ou bruto) e do refinado, é produzido no Brasil principalmente da soja.
“Só que isso gera uma preocupação, quando se faz biodiesel de óleo in natura, porque esses óleos são utilizados para outros fins, como a alimentação. Então a gente tem investigado uma maneira de incentivar a produção de biodiesel a partir de outras fontes, como óleos que não são consumíveis, que não têm ou apresentam baixa aplicação na alimentação humana”, reforça o pesquisador.
Além disso, os biocombustíveis são uma alternativa mais sustentável em relação aos combustíveis fósseis, intensivos em dióxido de carbono, entre outros gases poluentes.
Entre as fontes pesquisadas no LOA para esse tipo de produção estão os óleos de espécies pouco consumidas na região, como os frutos do tucumã e do jupati, e principalmente os “subprodutos” que, em outras situações seriam considerados rejeitos e descartados durante o refino industrial de óleos como o de palma (dendê), de buriti, de andiroba e do maracujá, entre outros.
“O LOA é muito diversificado. Fazemos desde o acompanhamento e controle de qualidade da matéria-prima, aproveitamento dos derivados de oleaginosas, nos quais se incluem o óleo, a casca e a amêndoa. Isso tudo que a gente antes chamava resíduo, por considerar dessa forma, agora virou subproduto”, assegura Carlos Emmerson da Costa, que é também professor da UFPA com doutorado em Química e atual coordenador do LOA.
Entre os desafios impostos ao estudo dos biocombustíveis estão questões de ordem técnica, que dificultam esse tipo de produção, como o acúmulo de borra no tanque de armazenamento por alguns tipos de espécies oleaginosas. A produção de motores adaptados a esse tipo de combustível é outra questão, que envolve a capacidade de adaptação e mudança por parte da indústria automobilística.
Além disso, conta o pesquisador, o preço desses biocombustíveis, produzidos apenas com frações desses óleos encontrados aqui na região, que podem ser combinadas de diversas fontes, ainda não é competitivo em relação ao diesel.
“Alguns estudos indicam que, dependendo da fonte, a partir de 100 dólares é que de fato o barril o biocombustível passa a ser competitivo. Mesmo assim acredito que estamos em fase de adaptação e mudança, no futuro essa ainda será uma matriz”, ressalta Emmerson, confirmando a importância da pesquisa e experimentação de biocombustíveis com os subprodutos de empresas que atuam na região.
Cianobactérias – Mais recentemente, pesquisadores do LOA começaram a investigar a produção e o uso de óleo proveniente de cianobactérias. Sob uma perspectiva biotecnológica, as cianobactérias têm sido estudadas como fonte para a geração de biodiesel.
Uma das vantagens de adotar esse tipo de microorganismo é que o fato de que eles se propagam rapidamente em condições adequadas de nutrientes e luminosidade, pois realizam fotossíntese, com uma produtividade muito mais alta em relação à área de cultivo do que os vegetais.
Segundo o vice-coordenador do LOA, Luís Adriano, as cianobactérias são comuns, encontrando-se ao redor do planeta em diversos ambientes. Elas podem estar em locais diversos, como águas sujas, paradas ou no “limo”, por exemplo.
“As cianobactérias com as quais trabalhamos foram coletadas por parceiros no Lago de Tucuruí, na área da usina, e no Lago Bolonha, aqui em Belém. Mas elas podem ser encontradas nos mais diversos ambientes, tanto na água quanto no solo”, explica ele.
Na Amazônia, alguns trabalhos pioneiros de cultivo de cianobactérias para a produção de biodiesel são desenvolvidos pelo LOA e por laboratórios parceiros, no Instituto de Ciências Biológicas da UFPA, mas ainda em escala de bancada.
“Nós estamos procurando melhorar a quantidade de produção, aumentar a escala de produção e partir para as próximas etapas, os caminhos a serem percorridos até o aproveitamento na escala industrial”, completa.
Países como Estados Unidos, China, Japão e Índia já possuem esse tipo de produção em escala industrial.
Catalisadores verdes, materiais capazes de remover poluentes e ração animal também podem ser feitos com base científica
O LOA também prioriza a pesquisa de catalisadores “verdes”, social e ambientalmente mais sustentáveis que os tradicionalmente usados pelas indústrias.
Grosso modo, a catálise é a parte da química que se preocupa em aumentar a velocidade das reações para obter qualquer tipo de produto. Nessa área, os estudiosos se voltam para acelerar reações que, naturalmente, seriam muito lentas.
Nas pesquisas químicas e biotecnológicas, o processo de catálise serve para a obtenção dos mais diversos produtos: de polímeros que dão origem às nossas roupas às coisas que nos cercam, como plásticos, celulares, curativos, entre outros.
“Tudo envolve catálise: por exemplo, a obtenção da amônia, um componente fundamental para fertilizantes, que vai influenciar na agricultura, depende da utilização de catalisadores”, explica Adriano.
“É o caso também do carvão ativado produzido com o que seriam rejeitos de agroindústria, como cascas de frutas, caroços de frutos como o açaí, cupuaçu, castanha do pará, que também podem ser utilizados para a remoção de poluentes da água. Ou ainda a aplicação de rejeitos de mineração para atuar na produção de biocombustíveis”, exemplifica.
Como resultados da pesquisa sobre o aproveitamento dos rejeitos de caulim, por exemplo, os pesquisadores do LOA confirmaram que são catalisadores eficientes para a produção de biodiesel.
Com base na mesma fonte, outro resultado foi a produção de acetato de eugenila, uma substância que possui ação larvicida contra o Aedes Aegypti (mosquito transmissor do vírus da dengue).
“Com a inclusão de bactericidas, esses carvões produzidos a partir dos subprodutos (cascas, amêndoas, entre outros) podem ajudar na retirada de pequenas frações de ferro, bastante comuns na água encanada de Belém, por exemplo”, acrescenta Carlos Emmerson.
Ele também aponta que outra aplicação para as amêndoas já utilizadas na produção industrial é a adição à ração animal. Por seu caráter fibroso e por ainda conservar quantidades de óleos passíveis de aproveitamento, esses subprodutos servem em muitos casos como complemento nutricional para ruminantes, aves e peixes.
Bioprodutos para as áreas médica e estética com base na pesquisa em óleos
O LOA também inclui o Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Tecnológico em Biopolímeros e Biomateriais da Amazônia. Entre outros objetivos, esse grupo busca desenvolver bioprodutos competitivos e sustentáveis, que agreguem valor econômico aos produtos amazônicos, incluindo tecnologias modernas na área da saúde e na indústria de polímeros “verdes”.
Segundo Marcele Passos, coordenadora do grupo, são três as vertentes de investigação desenvolvidas por ela. A primeira busca criar materiais biodegradáveis, como bioplásticos e resinas oriundos de fontes renováveis, resíduos agroindustriais ou microorganismos. Essa seria uma alternativa aos polímeros derivados de petróleo, com potencial de uso pela agricultura e no setor alimentício, a partir da criação de agentes condicionadores do solo, novas embalagens e revestimentos, entre outros exemplos.
A segunda envolve tecnologias modernas para a obtenção de barreiras físicas contendo fármacos e compostos bioativos da Amazônia, aplicáveis na odontologia; curativos nano e microfibrilar, com foco no reparo de tecidos, e hidrogéis como veículos carreadores de sistema de liberação controlada.
Na terceira, são aplicadas técnicas de impressão 3D e bioimpressão para a criação de materiais com foco na saúde (biomateriais). Essa vertente da pesquisa apresenta como potencial a geração de próteses e diversas aplicações tecnológicas, incluindo scaffolds (estruturas tridimensionais de base porosa usadas como suporte, que auxiliam na remodelagem dos tecidos) para cultura celular, guias cirúrgicos, modelos ósseos, testes de fármacos e cosméticos.
“Nos últimos três anos, temos importantes avanços no desenvolvimento de materiais para uso em articulação subcondral, sistemas de liberação controlada de compostos amazônicos bioativos, membranas periodontais, filmes finos, hidrogéis poliméricos e curativos de características ímpar”, aponta Marcele, que é doutora em Engenharia Química e professora da UFPA.
“Além disso, importantes resultados têm sido obtidos usando os óleos vegetais da Amazônia. Foram obtidos, por exemplo, biopolímeros e resinas à base de água, livres de formaldeído e ecologicamente corretas. Essa é uma alternativa favorável industrialmente (embalagens biodegradáveis, resinas odontológicas, tintas, adesivos, etc), que reduz o impacto ambiental”, completa.
Cosméticos – No campo da pesquisa sobre bioprodutos, o Laboratório agora inclui a pesquisa de bases cosméticas com misturas obtidas de óleos. Os pesquisadores também identificam e caracterizam substâncias obtidas a partir de espécies oleaginosas, prospectando novos serviços, como o desenvolvimento de novos produtos em associação com pesquisadores das áreas de farmácia.
Da parceria com esses especialistas podem surgir formulações, técnicas de liberação controlada de ativos da Amazônia, como o óleo da andiroba, ou de antioxidantes naturais como os encontrados no açaí, entre outras possibilidades.
Para conhecer os serviços do LOA, agendar uma visita ou conversa com os coordenadores do laboratório, acesse https://l.ead.me/bbDASo.
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Conheça também alguns resultados das pesquisas mais recentes realizadas pelos grupos envolvidos com o Laboratório:
Óleos
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Resíduos e catalisadores
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Larvicida feito a partir de acetato de eugenila
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Texto: Brenda Taketa (Comunicação PCT Guamá)
Artes: Paulo Faro
Imagens: Laboratório de Óleos da Amazônia