O Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) Guamá, localizado em Belém, é um dos principais polos de pesquisa aplicada do Brasil. No parque, laboratórios residentes e pesquisadores vinculados à Universidade Federal do Pará (UFPA) e à Universidade do Estado do Pará (Uepa) desenvolvem projetos que incluem a criação de um biocurativo biodegradável, um acionador automático para respiradores mecânicos utilizado em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), um filme bucal à base de jambu voltado aos pacientes com câncer, óleos amazônicos com propriedades medicinais e pesquisas sobre o cacau paraense, que resultam em chocolates saudáveis.
Integrando ciência, tecnologia e inovação sustentável, o parque atua como uma ponte entre academia e mercado, promovendo o desenvolvimento de soluções que impactam diretamente a qualidade de vida da população. Essa iniciativa é viabilizada pelo apoio do governo do Pará, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior, Profissional e Tecnológica (Sectet).
Milksom Campelo, gerente de Tecnologia e Mercados da Fundação Guamá, organização responsável pela gestão do complexo, enfatiza que as iniciativas são resultados de parcerias que transformam ideias em produtos e serviços sustentáveis. “O PCT Guamá é um ambiente que une a academia aos setores público e privado, a ciência moderna e o saber tradicional, para desenvolver inovações acessíveis à população em diversas áreas, inclusive na medicina, sempre com a sustentabilidade como pilar essencial”, destaca Campelo.
Biocurativo sustentável: tecnologia a serviço da saúde
No Laboratório de Óleos da Amazônia (LOA/UFPA), a pesquisadora doutoranda Sandrynne Guimarães está desenvolvendo um biocurativo biodegradável inovador que combina biopolímeros compatíveis com o corpo humano e óleos vegetais da Amazônia, como buriti e mucajá. Essa tecnologia oferece uma alternativa ecológica e eficaz aos curativos convencionais, protegendo lesões, acelerando a cicatrização, lubrificando a pele e inibindo bactérias.
Os biocurativos apresentam vantagens por serem produzidos a partir de fontes renováveis, com menor consumo de materiais durante o tratamento e descarte mais ecológico. “Eles não apenas protegem as lesões, mas também auxiliam na cicatrização, promovendo tratamentos mais eficientes e sustentáveis”, explica Sandrynne Guimarães.
Atualmente, o desenvolvimento dos biocurativos encontra-se em processo de patente. Além dos avanços médicos, o projeto promove práticas sustentáveis, valorizando a cadeia extrativista da região e fortalecendo a economia local.
Ventilador mecânico: solução acessível para comunidades remotas
Durante a pandemia de Covid-19, pesquisadores do Centro de Excelência em Eficiência Energética da Amazônia (Ceamazon/UFPA) desenvolveram o Acionador Automático de Ambu, um ventilador mecânico inovador voltado para regiões com acesso limitado à energia elétrica. O equipamento, econômico e de fácil montagem, utiliza peças nacionais e pode ser construído em apenas uma semana. Baseado em um sistema pneumático, o dispositivo automatiza a ventilação manual, oferecendo suporte vital em áreas remotas e ampliando o acesso à saúde em comunidades isoladas. Instituições como Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Hydro financiaram o desenvolvimento.
Segundo Marcelo Silva, professor e coordenador do projeto, a ideia surgiu durante o colapso da rede de saúde na pandemia, quando a alta demanda de pacientes com síndrome respiratória aguda grave sobrecarregou o sistema. Ele relembra um episódio no Maranhão, durante a pandemia, onde a falta de energia elétrica obrigou profissionais de saúde a operarem manualmente o Ambu para dezenas de pacientes.
O Acionador Automático de Ambu foi pensado para solucionar esse problema, automatizando o processo de ventilação sem depender de eletricidade. Uma solução prática e economicamente acessível para emergências, com potencial para transformar a assistência médica em comunidades isoladas e vulneráveis em decorrência da infraestrutura limitada.
Jambu: da tradição à inovação
Reconhecido por suas propriedades sensoriais e medicinais, o jambu é objeto de pesquisas do Laboratório de Tecnologia Supercrítica (Labtecs/UFPA). Entre as inovações desenvolvidas, destaca-se um filme bucal voltado para pacientes com câncer. O filme bucal foi projetado para pessoas que frequentemente enfrentam redução na salivação, causando feridas, dores e proliferação de microrganismos na boca.
“Sabendo que o jambu possui propriedades que aliviam a dor, estimulam a salivação e têm potencial anti-inflamatório, então desenvolvemos um filme que se desintegra rapidamente na boca, ajudando a minimizar esses problemas”, detalha a pesquisadora Ana Paula Silva. A doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela UFPA estuda o jambu há mais de cinco anos, explorando desde o cultivo e processamento até formas otimizadas de uso para o consumidor.
Além do filme bucal, a equipe criou um enxaguante oral sem álcool, especialmente indicado para tratamentos dentários. Ambas as inovações ampliam as aplicações terapêuticas do jambu, demonstrando o potencial do insumo amazônico para o desenvolvimento de produtos médicos inovadores.
Óleo de bicho: ciência e saberes tradicionais
Pesquisadores do Centro de Estudos Avançados da Biodiversidade (Ceabio/UFPA) e do Laboratório de Óleos da Amazônia (LOA), em parceria com a Uepa, estão estudando as propriedades terapêuticas do óleo de bicho, extraído das larvas do besouro Speciomerus Ruficornis Germar, conhecido como tucumanzeiro. Esse óleo, utilizado há gerações por comunidades extrativistas do arquipélago do Marajó, é aplicado tanto na culinária quanto no tratamento de doenças, reconhecido por suas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes, antitumorais e cicatrizantes.
O objetivo da pesquisa é modernizar os métodos de extração e ampliar o reconhecimento científico do óleo, promovendo sua valorização e sustentabilidade. Além disso, busca-se fortalecer a geração de renda para as populações locais que dependem do extrativismo. A valorização científica do produto reforça o elo entre o saber tradicional e o avanço tecnológico.
Gabriel Araújo, pesquisador do Ceabio e LOA, explica que a pesquisa visa criar um embasamento científico robusto para validar as propriedades terapêuticas do óleo de bicho. “Esse conhecimento é devolvido às comunidades, contribuindo para a valorização deste e de outros produtos marajoaras da Amazônia”, afirma.
Andiroba: riqueza biotecnológica da Amazônia
Pesquisadores do LOA e do Ceabio realizaram um estudo sobre as propriedades biológicas da andiroba, destacando seu potencial para aplicações em medicina e biotecnologia. Publicado na revista científica Arabian Journal of Chemistry, o estudo contou com a colaboração de instituições nacionais e internacionais, e analisou 129 artigos científicos publicados entre 1993 e 2022.
Os resultados evidenciaram uma ampla gama de benefícios do óleo extraído da flor e da semente da andiroba, incluindo propriedades analgésicas, anti-inflamatórias, anticancerígenas, antibacterianas, antifúngicas e antiparasitárias. O óleo demonstrou potencial no combate à obesidade, na cicatrização de feridas e em tratamentos contra o câncer. O trabalho reflete o impacto do conhecimento tradicional como base para a validação científica, uma vez que o uso doméstico do óleo de andiroba inspirou muitos dos estudos realizados.
Renata Noronha, pesquisadora do Ceabio envolvida no projeto, destacou como o uso de tecnologias modernas tem acelerado e aprofundado as análises, gerando avanços mais precisos e promissores, ressaltando o potencial da andiroba para o desenvolvimento de produtos que salvam vidas, previnem doenças e impulsionam a biotecnologia de forma sustentável.
Cacau paraense: um aliado da saúde
A pesquisa conduzida por Giulia Lima, do Centro de Valorização de Compostos Bioativos da Amazônia (Cvacba/UFPA), investiga os benefícios do cacau paraense e seus derivados na saúde, com destaque para a prevenção de doenças como diabetes, câncer, Alzheimer e cardiovasculares. O estudo foca nos compostos bioativos presentes no cacau, reconhecidos por suas propriedades antioxidantes superiores às do vinho e chá verde, que combatem radicais livres e retardam o envelhecimento precoce.
Lima enfatiza a importância de selecionar amêndoas com alta concentração desses compostos para a produção de chocolates funcionais e outros produtos medicinais, recomendando o consumo de nibs de cacau ou chocolates com 70% a 80% de cacau.
A pesquisa, realizada em parceria com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuária e da Pesca (Sedap) e a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), utiliza amostras de 19 das 20 variedades mais produtivas de cacau do Pará, buscando garantir qualidade e funcionalidade nos produtos finais.
O Pará, maior produtor de cacau do Brasil, responde por mais de 50% da produção nacional e abriga o maior banco genético da espécie Theobroma cacao L no mundo, com mais de 53 mil plantas. Características exclusivas, como o cacau de várzea que cresce em áreas alagadas, conferem ao fruto propriedades nutricionais únicas e aromas diferenciados, incluindo notas de banana, refletindo a biodiversidade local.
No PCT Guamá, o Cvacba utiliza tecnologia avançada para apoiar os produtores na certificação da qualidade do cacau, avaliando aspectos como sabor, cheiro, cor e textura. Lima destaca que o laboratório auxilia na identificação das melhores amêndoas para atender às exigências do mercado, garantindo a segurança e a qualidade na produção de chocolates de alto padrão com propriedades saudáveis, além de promover o cacau paraense como um recurso de relevância global.
Investimentos
O governo do Pará, por meio da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), está investindo mais de R$ 30 milhões até 2026 em projetos que promovem uma economia sustentável, alinhando conservação da biodiversidade e desenvolvimento regional. Desde 2022, já foram aplicados R$ 8,3 milhões, com previsão de chegar R$ 17,6 milhões para complementar iniciativas em andamento. Atualmente, 89 projetos ligados à bioeconomia, inovação e formação de jovens pesquisadores estão sendo fomentados, incluindo a criação de núcleos de excelência e parcerias internacionais. Em 2025, novos editais destinarão R$ 15 milhões a iniciativas que fortalecem instituições de pesquisa.
Atendimento facilitado
Investidores, pesquisadores e iniciativas privadas e públicas, vinculados ou não ao parque, podem acionar o PCT Guamá. Interessados devem entrar em contato pelo e-mail servicos@fundacaoguama.org.br ou pelos telefones (55) (91) 3321-8908 e 3321-8909.
Referência em inovação na Amazônia
O PCT Guamá é uma iniciativa do governo do Pará, por meio da Sectet, que conta com a parceria da UFPA, Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e gestão da Fundação Guamá.
É o primeiro parque tecnológico a entrar em operação na região Norte do Brasil e visa estimular a pesquisa aplicada e o empreendedorismo inovador e sustentável para melhorar a qualidade de vida da população.
Localizado às margens do rio Guamá, que dá nome ao complexo, o PCT Guamá está situado entre os campi das duas universidades e conta com um ecossistema rico em biodiversidade, estendendo-se por 72 hectares, destinados a edificações e à Área de Proteção Ambiental (APA) da Região Metropolitana de Belém.
O complexo conta com mais de 30 empresas residentes (instaladas fisicamente no parque), mais de 40 associados (vinculados ao parque, mas não fisicamente instalados), 12 laboratórios de pesquisa e desenvolvimento de processos e produtos, com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Escola de Ensino Técnico do Estado do Pará (Eetepa) Dr. Celso Malcher, além de atuar como referência para o Centro de Inovação Aces Tapajós (Ciat), em Santarém, oeste do Estado.
O PCT Guamá integra a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) e International Association of Science Parks and Areas of Innovation (Iasp), e faz parte do maior ecossistema de inovação do mundo.