Um dos maiores especialistas em açaí no mundo, Hervé Rogez explica como o fruto contempla todos os pilares da dieta mediterrânea. Por ser rico em compostos fenólicos e antocianinas, o açaí, hoje exportado para várias regiões e países, previne doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, convulsões e doenças como a leishmaniose
Por Brenda Taketa
O cientista Hervé Rogez pesquisa o açaí desde 1995 e conhece bem as propriedades bioquímicas, os benefícios para a saúde, assim como todas as etapas de produção, os desafios e as legislações associadas à coleta ou plantio do fruto.
Professor titular da Universidade Federal do Pará, ele dirige o Centro de Valorização de Compostos Bioativos da Amazônia (CVACBA), localizado no Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) Guamá, onde cada dia mais aprofunda o conhecimento sobre esse e outros frutos, a exemplo do cacau.
A diferença do laboratório que ele coordena é a oferta de serviços, como análises laboratoriais e tecnologias para indústrias de diferentes portes interessadas em inovar com base nesses produtos regionais. Entre outras funções, essas análises servem para medir e atestar a qualidade do que é produzido pelas indústrias.
Todas as propriedades da dieta mediterrânea numa “super fruta” só
O cientista explica que, desde os anos 1990, quando realizou a pesquisa de doutorado sobre o açaí, já era possível apontar as propriedades do fruto como suficientes para reunir o tripé da chamada “dieta mediterrânea”, reconhecida pelos benefícios à saúde por ser rica em fibras, em azeite de oliva e pela presença de antioxidantes comuns em frutas vermelhas e no vinho tinto.
“No caso, o açaí veio unir esse tripé num produto só”, assegura.
Segundo Hervé, o tipo de óleo presente no açaí possui um perfil de composição semelhante ao do azeite de oliva. Quando analisado na forma desidratada ou em pó, essa quantidade de lipídeos (óleo) representa mais ou menos a metade dos sólidos totais, ou seja, uma quantidade semelhante ao leite, mas de melhor perfil.
Depois, afirma o especialista, o açaí é muito rico em fibras.
“O brasileiro de modo geral e, em particular na região Norte e Nordeste, consome pouca quantidade de fibras. Então acaba que, para o ribeirinho, a primeira fonte de fibra é o açaí e o perfil dessas fibras, em termos solúveis e insolúveis, é muito próximo ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde”, explica.
A baixa quantidade de açúcar também favorece um consumo saudável pelos mais diversos públicos.
“Há pouquíssimo açúcar no açaí: menos de 0,3% (de sua composição). Em base seca (ou na forma desidratada), representa apenas 3%. Ou seja, um diabético pode tomar o açaí tranquilamente. O que faz uma pessoa eventualmente engordar ao consumir o açaí não é tanto o próprio açaí e sim a adição de açúcar ou farinha, a depender da maneira como ele é consumido”, assegura o especialista.
Por último, a grande quantidade de compostos fenólicos, com funções antioxidantes, seria o principal motivo da procura do fruto pelas indústrias nacional e internacional de diversos setores, como o alimentício e de cosméticos. Entre outras características, os antioxidantes são moléculas capazes de neutralizar radicais livres e de inibir a oxidação de outras moléculas, processo que pode ser extremamente prejudicial à saúde.
“O açaí é qualificado de super fruta não pelos seus lipídeos e fibras, mas principalmente pela enorme riqueza em antioxidantes, em particular os compostos fenólicos. E essa riqueza em está muito acima da encontrada em frutas como morangos, framboesas, amoras, uva preta e o próprio vinho tinto. O açaí possui teores de antioxidantes muito acima dessas frutas”, garante o cientista.
O interesse internacional pelos compostos fenólicos, de modo geral, cresceu a partir de 1996, depois que o chamado “paradoxo mediterrâneo” foi evidenciado pelos cientistas. Nessa época, as atenções voltaram-se à Europa mediterrânea em função da baixa incidência de doenças cardiovasculares e de algumas formas de câncer entre a sua população quando comparada às do Norte da Europa. A dieta dessa região, rica em fibras, azeite de oliva e compostos fenólicos, foi então considerada a chave para esses indicadores de boa saúde. Foi nesse período também que as propriedades antioxidantes do açaí começaram a ser reveladas por estudiosos como Hervé.
“Entre outros benefícios, a presença o açaí ajuda a prevenir doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, convulsões e a leishmaniose”, conta ele.
Uma tigela de açaí por dia como forma de manter a saúde
Entre as pesquisas realizadas para autenticar o açaí no mercado está a caracterização exata do perfil de antocianinas – grosso modo, os pigmentos naturais pertencentes aos compostos fenólicos que, no caso do açaí, dão a coloração roxa ao fruto. Poderosos antioxidantes, as antocianinas combatem o surgimento de doenças cardiovasculares, neurológicas, câncer, além do envelhecimento celular, neutralizando os radicais livres.
O açaí do tipo preto é um dos frutos com maior quantidade de antocianinas. Entre outras vantagens, a presença desses pigmentos garante a qualidade visual e nutricional do açaí e a sua quantificação é um importante parâmetro de qualidade da polpa e de derivados de açaí.
De modo geral, num conjunto de 20 antocianinas, duas são majoritárias no açaí produzido e comercializado no Pará e uma a mais no açaí proveniente do Amazonas.
Essa informação, também obtida em laboratório, é relevante para indústrias que importam ou exportam o fruto, na medida em que por meio da análise das amostras, é possível assegurar com até 95% de certeza a espécie (açaí do Pará ou do Amazonas) e a origem (várzea ou terra firme, por exemplo), validando dessa forma a sua qualidade.
Além disso, segundo Hervé, ainda que sejam muito importantes, as antocianinas representam 40% dos polifenóis totais presentes no açaí, ou seja, há ainda mais tipos de antioxidantes presentes no fruto.
“Não é apenas a ponta do iceberg, mas tem muitos outros compostos fenólicos além dessas antocianinas. A gente estudou e identificou todos eles. Orientina, Homoorientina e Taxifolina são outros predominantes no meio desse mar de compostos fenólicos. Ou seja, eu tenho três compostos sem cor, mas que são fenólicos muito importantes para a saúde, e dois com a cor preta das antocianinas, com o total de cinco compostos fenólicos majoritários que são diretamente relacionados às propriedades que beneficiam a saúde do consumidor”, explica.
Contra doenças cardiovasculares – Segundo Hervé, as propriedades do fruto incluem a redução da oxidabilidade das LDL (sigla para Lipoproteína de baixa densidade, tipo de colesterol conhecido como ruim). Um estudo realizado em 2011 com um grupo de 30 voluntários atestou o benefício. Após quatro semanas consumindo uma dose de 400 ml de açaí grosso, o primeiro grupo, composto por 13 pessoas com alta oxidabilidade do LDL, ou seja, com alto risco de infarto ou acidente vascular cerebral (AVC), teve as suas taxas de colesterol ruim reduzidas em mais de 50%. Elas mantiveram nesse período a mesma dieta alimentar, que incluía a ingestão de gorduras, por exemplo.
No grupo de 17 pessoas com as taxas consideradas aceitáveis, ou “normais”, as taxas de oxidabilidade das LDL se mantiveram nos parâmetros recomendáveis.
Prevenção de convulsões – Em 2015, outros compostos fenólicos presentes no açaí geraram estudos sobre a prevenção de convulsões e a proteção de outras propriedades cerebrais. Assinada por 13 cientistas, a pesquisa foi publicada na revista científica Neurochemistry International. Dois anos depois, seis pesquisadores apontaram que os compostos fenólicos presentes no fruto ajudam também na prevenção da leishmania.
Hervé Rogez compôs os grupos responsáveis por ambas as descobertas.
“Nos próximos meses publicaremos outros resultados mostrando que esses outros compostos fenólicos são importantes para a função neuronal e também para as funções cerebrais”, adiantou o especialista.
Para conhecer os serviços realizados pelo CVACBA e pela Rede de Bioeconomia vinculada ao PCT Guamá, clique aqui.
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Referências
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